27 de maio de 2016

Encurtando distâncias entre a comunicação de surdos e ouvintes

 Cerca de 70% dos surdos tem dificuldade em ler e escrever a língua escrita de seu país. Foi pensando nesse problema que Ronaldo Tenório conseguiu uma solução para melhorar a qualidade de vida dos deficientes auditivos. Ele se junto com Carlos Wanderlan e Thadeu Luz para dar vida à um projeto social internacionalmente reconhecido. Em entrevista, Ronaldo conta desde quando a ideia surgiu e o caminho percorrido até agora. Impactar surdos e pessoas próximas e resolver um problema global: esses são os motivos que fazem Ronaldo, Carlos e Thadeu buscarem sempre aprimorar para mudar a vida de cada vez mais pessoas.

Publicitário, o CEO da Hand Talk teve duas empresas antes do seu negócio social surgir. Ele conta um pouco sobre o processo. “Eram três coisas que percebi que somaram para a Hand Talk nascer. Sempre tive paixão por tecnologia, sempre fui um cara ligado a comunicação e queria unir essas duas coisas para poder fazer o bem ao próximo. Sempre tive esse pensamento de deixar um legado, fazer algo bacana, mas não tinha encontrado o melhor caminho para fazer isso acontecer”.

Ronaldo fala do “time” que surgiu e do período pós crescimento. “Começamos nós três. Eu sou publicitário, Thadeu é arquiteto especializado em 3D e o Carlos é desenvolvedor. Então começou quando eu tive a ideia em 2008, Carlos me ligou e começou a desenvolver, e a gente precisava de alguém especialista em 3D, Tadeu virou nosso sócio. E aí nós três com três competências complementares. Depois que recebemos o primeiro investimento, percebemos que precisávamos contratar pessoas. Hoje somos 15, mas indiretamente somos quase 20. A empresa foi crescendo”.

 Como o mundo da tecnologia é muito dinâmico, Ronaldo fala que a ideia inicial nunca envolveu smartphone. “O iPhone foi lançado alguns meses depois de eu ter ideia da Hand Talk. Era uma ideia para PC, não para aplicativo. Era algo que pudesse traduzir para língua de sinais através de um hardware, um computadorzinho”.

O idealizador da solução fala um pouco sobre o processo da ideia. “Hand Talk vem na contramão dos negócios sociais. A maioria é um caso em casa e ele resolve transformar aquele problema em solução para o negócio que ele cria. No meu caso não, tive a sensibilidade de perceber esse problema de comunicação entre surdos e ouvintes. Então, em um trabalho acadêmico, uma ideia maluca, comecei a pesquisar sobre pessoas com deficiência”.

A falta de acessibilidade dos surdos é um problema que segundo Ronaldo afeta não apenas os deficientes, mas todos ao seu redor. “É um grande problema que pouca gente sabe. 70% deles tem dificuldade de leitura. Os caras vivem como se fossem estrangeiros vivendo em seu próprio país. A gente começou a perceber que a Hand Talk estava sendo usada tanto para comunicação dentro de casa quanto para pessoas aprenderem libras. O principal problema que o surdo enfrenta hoje é dentro da própria casa, porque ele não consegue se comunicar com o próprio pai, por exemplo”.

Ronaldo fala que se emociona lendo os depoimentos de pessoas que são impactadas pela tecnologia idealizada por ele e seus sócios. “Tem um caso muito bacana de uma moça com um filho surdo de 30 anos. Ela assistiu um programa de TV, uma matéria nossa, e ela correu para baixar o app. Depois que baixou o app, ela correu para casa para se comunicar com seu filho, e com o Hugo da Hand Talk ela fez uma declaração para o seu filho e eles começaram a chorar. Ela disse que pela primeira vez em 30 anos, foi a primeira vez que sentiu que ele compreendeu completamente o que ela queria falar. É um impacto muito bacana na vida dessas pessoas que passam a ter não apenas um tradutor, mas um acesso a mais pessoas a melhorar esse relacionamento, e é dessa forma que a gente vem impactando no brasil”.

Ele fala que fazer a comunicação entre surdos e ouvintes mais fácil sempre foi o objetivo. “Hoje são quase dez milhões de pessoas com deficiência. A maioria são de baixa renda. A maioria não tem smartphone. Mas se a gente não chega a todos os surdos, a gente chega a pessoas ligadas a ele, e impacta ele também. Nosso desafio é esse, que a barreira de comunicação entre surdos e ouvintes seja quebrada, e para isso estamos lançando várias soluções, buscando cada vez mais impacto”. Ele fala que as empresas ganham muito se tornando acessíveis para uma grande parcela da população. “Tem 10 milhões de pessoas que não estão se relacionando com a empresa. E quando elas (as empresas) percebem a oportunidade de mercado, além de levar uma ferramenta inovadora para gerar mídia espontânea, retorno de branding, ela também sabe que tem um público que pode se comunicar, então isso direta e indiretamente gera retorno financeiro para elas. Cabe também a essas empresas divulgarem e chegarem a esse público”.

O aplicativo, inclusive, ultrapassou a barreira do milhão nos downloads. “No tradutor de sites tem cerca de 3.500 assinantes. Mas o impacto que a gente estima hoje atinge mais de 5 milhões de pessoas. Não são só os usuários, mas sim todas as pessoas que estão trabalhando nessa linha de comunicação com a utilização do app”, diz Ronaldo feliz pelos resultados atingidos até hoje.

Quais são os produtos da Hand Talk afinal? “A gente tem o app que é gratuito e está disponível na Apple Store e no Google Play. O aplicativo é um tradutor de bolso, você pode digitar algum texto, falar algum texto, ou até fotografar uma imagem impressa, o app reconhece e o Hugo traduz isso imediatamente. É útil para os surdos ou para um ouvinte que quer aprender sinais e ele vai aprendendo para poder se comunicar com algum amigo ou parente surdo”.

 Mas se é gratuito, como os sócios ganham dinheiro? Ronaldo explica que existem outras formas de ganhos monetários. “A gente tem outras soluções para empresas onde fornecemos serviço tornando os canais de comunicação acessíveis em libras com o Hugo também. A gente tem uma ferramenta que é o tradutor de sites. A gente criou um botãozinho que a pessoa coloca em seu site que o Hugo traduz automaticamente. O surdo deixa de ser o último a saber, pois ele sempre depende de alguém que traduza para ele, e o Hugo faz isso em tempo real. Aí a gente cobra uma assinatura das empresas. Como elas por lei são obrigadas também a fornecer acessibilidade, elas contratam o serviço e sai todo mundo ganhando”, explica o CEO que tem na carteira de clientes museus, prefeituras e até o Comitê Olímpico. Ronaldo fala da dinâmica de tratar com cada empresa. “Hoje a gente tem dois grupos de clientes: o grupo de pequenas empresas que atendemos basicamente pelo site, e tem o grupo das médias e grandes empresas que a gente atende diretamente via hangout, Skype, ou até presencialmente, porque são negociações que demoram mais pelo porte das empresas”.

Perguntado sobre as dificuldades no empreendimento social, Ronaldo fala que em uma startup tudo é mais intenso. “A linha entre sucesso e fracasso na startup é muito tênue. Viver isso não é fácil. Já é difícil empreender, empreender socialmente é mais complexo. O negócio é ser rápido, errar rápido para consertar rápido. Ser inovador torna o caminho mais difícil de ser trilhado, pois não há quem seguir, você que precisa ser o guia para quem vem atrás”.

No começo então, a dificuldade era muito maior, mas como a ideia era boa, logo foi ganhando projeção. “Na verdade, a gente nem sabia o que era startup direito, estava começando a se falar startup aqui no brasil em 2012. Há 4 anos atrás ainda era pouco difundido. A gente se inscreveu e na primeira apresentação em público e ganhamos o prêmio como melhor startup do estado, e o prêmio era investimento. Aquilo foi o pontapé que a gente precisava para iniciar o projeto, porque até então era um projeto, um protótipo. Criamos um protótipo com apenas 10 frases. E então veio um prêmio atrás do outro”. Dentre os mais de 15 prêmios nacionais e internacionais, estão o Rio Info, o World Summit Award da ONU, Qualcomm Ventures, Empreendedor Social de Futuro da Folha de S. Paulo, entre outros.

O reconhecimento veio e programas e empresas convidaram a Hand Talk para parcerias. Ronaldo fala da importância do apoio que recebe dessas empresas para trilhar o caminho mais rápido. Entre esses parceiros estão o Google, a Apple, a Intel, o Sebrae, Assespro-AL, APL de TI, entre outros. “Se não tivéssemos essa quantidade de parceiros, sem muitos deles talvez traçaríamos o mesmo caminho, mas demoraria o dobro do tempo talvez”.

Buscando impactar o máximo de pessoas possíveis, a Hand Talk pensa em internacionalizar a marca e empreender fora das terras brasileiras também. Mas para isso, precisam se adequar. “A Libras é a Língua Brasileira de Sinais, nos estados unidos é a American Sign Language (ASL). Cada país tem a sua, então estamos desenvolvendo a língua americana de sinais para entrar no mercado americano para causar o mesmo impacto que causamos aqui lá fora”. O Brasil, segundo Ronaldo, é um ótimo país para o empreendedorismo social. “Apesar dos todos os problemas do brasil, aqui continua sendo um excelente país para empreender socialmente, porque problemas sociais não faltam aqui”, diz um dos três sócios.

Mas nem sempre as pessoas estão cientes desses problemas. Ronaldo conta que teve que mostrar tais problemas para o mercado e apresentar sua solução. “É muito difícil, porque a gente está criando um novo mercado. As empresas não estão acostumadas a comprar, por nem saber que existe o problema. Então a gente foi meio que ‘evangelizando’ o mercado, rodei o brasil todo em eventos e empresas para poder explicar esse problema e que tínhamos a solução para o problema. O mercado começou a amadurecer mais”.

Com o mercado amadurecendo, Ronaldo fala sobre a concorrência e como ela é saudável. “É bom ter concorrência porque você não se acomoda. Se nadar sozinho no mercado, você não rema com a mesma velocidade se estivesse com um concorrente ao lado. Gerir uma empresa é como dirigir um carro. Tem a estrada que você sempre tem que estar visando. Não pode acelerar demais nem frear demais. E o concorrente está sempre no retrovisor”.

Para melhorar e estar à frente da concorrência, a Hand Talk conta com a ajuda dos usuários das aplicações. “A gente também faz reuniões de co-criação com interpretes, familiares de surdos, para sabermos como melhorar, como o app está sendo usado. Os usuários ajudam a gente a melhorar a cada dia.
Um dos jovens mais promissores do mundo, Ronaldo Tenório exalta os empreendedores alagoanos, mas que ainda precisam de apoio. “Temos aqui alguns dos melhores profissionais de todo o país, pessoas super criativas e trabalhadoras. Aos poucos conseguimos criar um ecossistema forte e engajado, mas precisamos de mais apoio de entidades públicas e privadas para continuar fortalecendo o nosso setor”.

Ronaldo fala do que o move a ficar focado na empresa e continuar impactando vidas. “Minha principal motivação tem sido o resultado que a gente está conseguindo. A gente tem esse pensamento de causar cada vez mais impacto. Isso é o que nos move. Saber que estamos deixando um legado para a história”.

Visite o site da Hand Talk: http://www.handtalk.me/

  

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *